Abstracts (por ordem alfabética de apelido)
Indícios, sintomas e etologia. A reconstituição da verdade nas Historiae de Tucídides
António de Castro Caeiro (FCSH/Univ. Nova Lisboa, Portugal)
O que passamos a pôr sob foco de evidência são os passos relevantes para a compreensão do sentido de palavras como prova indirecta (tekmêrion), prova directa ou sintoma (sêmeion), testemunho (autós parên, o próprio a assistir ao decurso do presente), rigor (akribeia) e apuramento da verdade (alêtheia) em Tucídides. A história dos conceitos consagrados em termini technici por Platão e Aristóteles radica num tempo em que a vida era tratada como uma acontecimento maciço. Um tempo que entroncava a lírica arcaica, os escritos hipocráticos e os dos comediógrafos, tragediógrafos e historiógrafos. A relação entre Píndaro e Tucídides foi bem estudada. Sob o plano de fundo do de Prisca Medicina, vemos Tucídides operar com palavras que diagnosticam a irrupção de um conflito civil do mesmo modo que descreve a febre tifoide. É assim também que se debruça sobre o modo como enfoca a realidade a partir do ponto de vista de escritor: historiógrafo: o da autopsia. Assim, as considerações metódicas, o diagnóstico da guerra civil em Corcireia e a descrição da Peste, poderão dar-nos pistas da lógica da descoberta da verdade, do carácter exaustivo da análise de Tucídides. A autopsia leva a um redução à causa ou às causas que principialmente podem explicar o horizonte de sentido em que ocorrem. As três frentes de análise exploram o horizonte do humano, a anthrôpeia physis. Elas partem do meio em que nos encontramos inseridos. Põem-no a claro nos seus contornos. É no campo da essência humana que os sintomas se manifestam. A sua análise é uma etologia que visa a remoção dos obstáculos da doença e procuram obviar a potência destruidora da guerra.
É no horizonte de sentido do humano que o próprio quadro de sentido se perde, se esvazia, se deturpa, mas assim também procura recuperar palavras como a honra e a glória e destruir os efeitos nocivos do que nos constitui a nós como humanos: a luxúria do poder (archê), a ganância (pleonexia) e a ambição (philotimia). A vida é susceptível de uma epidemia pandémica.
Mas é no interior dessa pandemia que procuramos viver. A identificação da causa das coisas é uma peculiar forma de projectar em antecipação essa possibilidade.
(As primeiras notas encontram-se no livro 1, capítulos 20-22. A Peste em 2, cap.: 48-54 e A stasis de Córcira, em e livro 3, 81-83).
El vocabulario médico y sus implicancias en la novela latina: el caso de Petronio
Marcos Carmignani (Universidad Nacional de Cordoba, Argentina)
En el mundo latino, la estrecha conexión entre el saber científico y la cultura griega influyó decisivamente para el desarrollo de la medicina, que se dio con la expansión del helenismo, es decir, a partir del siglo III a.C. Este desarrollo puede verse no sólo enlas obras especializadas, sino también en la literatura en general, sobre todo en función metafórica – como era habitual en los filósofos, quienes asimilaban los males del alma a los males del cuerpo. La novela latina más antigua conservada, el Satyricon de Petronio, no es la excepción. En esta comunicación, intentaremos demostrar de qué manera el vocabulario médico es una herramienta muy sutil utilizada por Petronio como un medio de ridiculización de los personajes más incultos, sobre todo, los libertos de la Cena Trimalchionis, donde el narrador intenta diferenciarse mediante un uso más prudente de esta terminología.
A Oculta Scientia Sexualis na antiguidade ou a pseudo-castração do desejo.
Paulo Alexandre e Castro (universidade do Minho - Portugal)
A vivência do sexo sempre foi uma marca distintiva da natureza humana. As suas diferentes manifestações, quer sejam sustentadas pela mitologia ou pela busca incessante da saciação do desejo do corpo, constitui per se, uma ciência sexual. No entanto, dizer isto não significa afirmar a sua existência.
Se é verdade que a sexologia se constitui a partir do século XIX, ao colocar o sexo como elemento constituinte da psique humana - sobretudo com os trabalhos de Josef Breuer e de Sigmund Freud -, não é menos verdade que há toda uma cultura sexual enraizada desde o antigo Egípto e que culminará nos bordéis de Paris ou Viena que marcariam a vida boémia do Século XIX. Esta obervação cultural e social é visível não só nas representações mais ou menos explícitas, de pinturas e esculturas, mas igualmente na 'publicidade': um falo numa pedra de calçada ou um fresco em pompeia em nada difere das placas ostensivas e apelativas ou dos cartazes litográficos dos bordéis que Toulouse-Lautrec criara.
Restringindo-se este ensaio contudo ao estudo da antiguidade grega, é nossa intenção procedermos à analise da sexualidade grega como uma prática inegável e sustentável do modus vivendis dessa civilização. No entanto, a filosofia apresentou-nos o amor e o desejo como paradigmas de discussão filosófica para a análise da alma e do corpo, e portanto e também, para a discussão em torno das virtudes e da ideia de bem e belo. Contudo, a realidade grega ditava outras regras - e o próprio Foucault parece ter-se limitado a um conjunto de constatações -, e a suposta 'castração' do desejo (entenda-se sexual), vinculada pela ascese virtuosa não passa de uma retórica mais coincidente com uma ars eroticae do que com uma scientia sexualis, que pode nunca ter acontecido teoricamente.
A linguagem médico-psicológica no Cármides de Platão
Luciano Coutinho (Universidade de Coimbra, Portugal)
O Cármides, de Platão, tem sido apontado como um diálogo que gira em torno da noção de temperança. Sem dúvida essa é uma vertente fundamental e essencial no texto, mas há uma outra problemática que, em mesmo peso, é levantada pelo filósofo: o processo de cura de uma enfermidade psíquica e/ou somática. Este trabalho, todavia, não tratará nem da temperança nem do processo de cura propriamente, mas do jogo de palavras que Platão faz para fundamentar sua teoria acerca desse processo de “cura”. Para tanto, expressões como “mal-estar” (βαρύνεσθαί) e “enfermidade” (ἀσθενείας); “médico” (ἰατρός) e “medicina” (ἰατρική); “pscyhé” (ψυχὴν); “fármaco” (φάρμακον);“tratar/cuidar terapeuticamente” (θεραπεύειν); “saudável” (ὑγιᾶ); “curar” (ἰᾶσθαι); “encantamento” (ἐπῳδὴ); e “belos argumentos” (τοὺς λόγους τοὺς καλούς) constituem um cenário propícia para que Platão passeie entre a atmosfera médica e psíquica desde pontos de partida míticos e filosóficos.
O problema mente-cérebro era desconhecido na Filosofia Antiga?
Reflexão sobre a tese de Erik Ostenfeld
Manuel Curado (Universidade do Minho - Portugal)
A presente comunicação procura reflectir sobre a existência ou não do problema mente-cérebro na Filosofia Antiga. Tomando como referência a análise proposta pelo professor dinamarquês Erik Nils Ostenfeld, no livro Ancient Greek Psychology and the Modern Mind-Body Debate, de 1986, mostra-se que há uma continuidade na reflexão filosófica sobre a mente humana. Esta continuidade não impossibilitou diferenças assinaláveis entre posições filosóficas antigas e modernas, tanto mais que, no mundo do pensamento antigo, a psicologia filosófica platónica ou aristotélica é significativamente diferente da estóica ou da epicurista. Defende-se que o
problema mente-cérebro é apenas um elemento de uma colecção muito vasta de problemas filosóficos sobre a existência da mente humana na ordem da natureza.
Além disso, defende-se também a sua existência no mundo antigo, por exemplo, no seio do pensamento médico-filosófico. Salvaguarda-se o carácter distinto de uma abordagem moderna do problema, ao modo da reflexão sobre a incomensurabilidade entre mente e cérebro de um Thomas Reid. A comunicação termina com uma proposta de linhas de investigação sobre a psicologia filosófica antiga.
Medida e cura no corpus hipocrático
Edrisi Fernandes (Universidade de Brasília, Brasil)
Nos escritos hipocráticos, a condição natural do corpo, para a qual ela tende a retornar quando escapa às doenças, é aquela da simetria e do equilíbrio. Conforme Werner Jaeger, “o médico é chamado a restaurar a medida oculta, quando a doença vem alterá-la. Em estado de saúde, a própria natureza se encarrega de implantá-la (cf. Da Med. Ant., cap. 5, final; Do Regime, III. 69), ou antes, é ela própria a justa medida”. O autor do tratado Da Medicina Antiga diz (9. 589): “Deve-se ter em vista uma certa medida (métron). [Ora,] de medida, número ou peso, por referência à qual conhece-se a verdade, não se saberá encontrar nenhuma outra fora da sensibilidade do corpo”. O conceito de medida, identificado àquele de cura, está diretamente ligado à ideia de harmonia. A harmonização das relações do homem com o seu entorno se faz acompanhar de uma tomada de consciência sobre o que representa e define a existência humana. Conhecer a verdade tendo-se em vista certa medida conforme a“sensibilidade do corpo” implica numa valorização os sentidos como sendo capazes de dar conta da relação do homem com a natureza - em sua harmonia e seus ritmos -, extrapolando a esfera individual. Em virtude se ser o homem “uma cópia do Todo” (Do Regime, I.10), a natureza pode ser o médico autoinstruído e eficaz do corpo, a “justa medida” da saúde, cabendo ao terapeuta ser aquele que ajuda a natureza humana a reencontrar sua harmonia. Nossa investigação trata especialmente da função da água como elemento fundamental da saúde do corpo e de uma análise dos conceitos de mesotêse metriótês (“meio; média; mediania” e “moderação”) no tratado Dos Ares, Águas e Lugares.
Cosmic Healing
António de Freitas (Universidade do Minho, Portugal)
The Hittite text CTH 324, known as the Telepinu’s Myth, tells the story of the disappeared god Telepinu. This myth is related to the myths of katabasis describing the visit of a god to the netherworld, like the Sumerian visit of Innana to the netherworld. The difference is that in the Telepinu case, the god himself hides in a swamp that can be part of the netherworld. The purpose of Telepinu’s action is not clear, but there are many cosmic consequences to his action. The nature has no way to procreate, the mothers reject their baby-child, and the cosmos seems to be mal-functioning. We know that Telepinu was anger when decided to hide. The assembly of the gods needs to find Telepinu in order to re-establish the order. A final resource used by the assembly of the gods to solve this almost eschatological phenomenon is to summon the primeval deity Hanna-hanna. After her intervention Telepinu is found and the cosmos heals. I argue that in the Hittite culture, the illness of a god implies the illness of the cosmos and his healing shows up as normal cosmic order.
A Psicologia mítica de Platão
Rodolfo Lopes (Universidade de Coimbra, Portugal)
Nesta breve apresentação procurarei recuperar os elementos de um possível contributo platónico para aquela dimensão do saber que cabe no conceito de ‘psicologia’.
Depois de acautelados os vários anacronismos passíveis de germinar neste tipo de análise retrospectiva, começarei por explicitar em que termos e com base em que pressupostos este diálogo seja admissível. No âmbito da concepção mais lata de psicologia enquanto estudo do comportamento e das ‘funções mentais’ neste implicadas, tentarei reconstituir, nos seus traços essenciais, a versão que Platão apresenta de um ‘logos sobre a psychê’. Na impossibilidade de dar conta desta questão em toda a sua abrangência, focarei um aspecto que me parece tão nuclear quanto profícuo para um diálogo com a psicologia moderna: o reconhecimento e utilização da narrativa mítica como forma de codificação psicológica.
Representações da doença na Antiguidade: A cura pela incubatio no Asclepiadeu de Epidauro
Virgínia Soares Pereira (Universidade do Minho, Portugal)
Na antiga Grécia a doença ou a cura eram frequentemente atribuídas a intervenção divina, mais do que a causas naturais. Ao santuário de Asclépio, na cidade de Epidauro, afluíam, em grande quantidade, doentes que, depois de uma noite passada no interior do templo, regressavam a casa curados. As curas aconteciam durante o sono e os pacientes, ao acordar, relatavam o modo como tinham sido curados. A comunicação incidirá sobre doenças e formas de terapia nos templos consagrados a Asclépio, ao deus curador.
La locura del personaje trágico y sus efectos más allá del individuo. La relación locura-pólis en la tragedia de Esquilo y sus relaciones con De Morbo Sacro de Hipócrates
Guillermo De Santis (Universidad Nacional de Córdoba, Argentina-Conicet)
La relación entre el individuo y la comunidad (pólis) en la tragedia ática del siglo V aC. ha sido largamente estudiada en términos históricos, antropológicos y filosóficos. Por su parte, y desde hace varias décadas, la relación entre la tragedia y los tratados hipocráticos ha dado lugar a un número creciente de trabajos que ponen su acento en dos cuestiones: la primera es la relación léxico-técnica en ambos tipos de textos y, la segunda, es el mayor o menor tecnicismo en la descripción de las patologías que sufren los personajes trágicos. La locura como acción trágica y como patología médica es uno de los temas que permiten una mejor comprensión de la importancia de la “salud” en la tragedia griega y sus relaciones con los tratados hipocráticos. Particularmente nos interesa el caso de Esquilo por ser el poeta trágico menos técnico en el uso del lenguaje y que podría considerarse aún “pre-científico” en el tratamiento de las enfermedades. Nos centraremos en el caso de Io en Prometeo Encadenado versos 561-886 cuya terminología descriptiva de la locura denota el intento del poeta por dar un formato lingüístico trágico a un fenómeno “popular”. A partir de aquí, ciertas metáforas, como el “errar sin sentido”, adquieren valor denotativo de “locura” y se instalan en el lenguaje no-técnico de la patología. Este texto será contrastado con el texto hipocrático De Morbo Sacro para proponer que en el texto trágico interesa menos el realismo de los síntomas cuanto las consecuencias externas a Io que su locura genera y las expectativas amplias (cósmicas en algún sentido) que genera su posible cura, mientras que en el texto racional de tratadista médico la descripción de la enfermedad y sus manifestaciones están en el centro de atención. El segundo texto analizado será el llamado “Himno de encadenamiento de las Erinias” en Euménides 321-396 en el que las Erinias despliegan en acto la gestación de la locura en Orestes.
Este texto es esencial, a nuestro entender, para desplazar el foco de análisis desde la psicología interna del personaje trágico hacia los factores externos que generan la locura y, en cosecuencia analizar el impacto de la locura individual en la pólis, aspecto menos precisado en el Corpus Hipocrático. La intención última del trabajo es proponer una cierta tensión entre nociones de salud que importa solo al individuo afectado por una patología y otra que atiende las consecuencias que un enfermo genera en la comunidad.
O Templo Interior: Representações do Corpo e da mente no Egipto Greco-Romano.
Rogério Sousa (Universidade do Porto - Portugal)
Caracterizar a mente e a identidade e potenciar o seu desenvolvimento constituem problemas centrais da Psicologia contemporânea, mas há muito que as tradições religiosas que emergiram com a chamada «Era Axial» colocaram estas questões no centro do desenvolvimento espiritual. Esta apresentação identifica as origens deste movimento em meados do II milénio a.C. no contexto do Egipto faraónico e acompanha o seu desenvolvimento até à Época Greco-Romana, onde uma confluência multicultural predominantemente grega e
egípcia deu origem a novas e singulares formulações sobre a consciência, a identidade e a transformação de si mesmo.
A medicina do útil à luz do homo-mensura de Protágoras
Dennys Garcia Xavier (Universidade de Uberdândia, Brasil)
Do ponto de vista das experiências comuns, os homens têm e sabem que têm opiniões verdadeiras e opiniões falsas, diz Platão. Essa consciência conduz necessariamente a uma dinâmica meritocrática segundo a qual um determinado saber numa dada situação se impõe a outros – que em relação a esse são, por consequência, como “não-saberes”. Este quadro geral está em nítido contraste com a teoria do homo-mensura de Protágoras, que exclui a possibilidade de um juízo universal positivo sobre qualquer opinião expressa pelo homem, consequência primária da tese segundo a qual ele, o homem, é medida de todas as coisas. Mas o mesmo acontece no terreno da percepção, como no caso das coisas úteis ou nocivas para a saúde do corpo?
De fato, o médico parece possuir um saber que de certa forma faz com que aquilo que ele considera ser “melhor” para a saúde de um dado indivíduo, também o “seja” para ele. O recurso ao útil parece ser vantajoso para a posição de Protágoras. Com efeito, enquanto a asserção de uma “verdade” parece ter um valor obrigatório para todas as situações, a afirmação do útil apresenta-se logo relativa. Aqui, exploraremos alguns do efeitos epistemológicos da doutrina de Protágoras e o modo como ela repercute no interior da filosofia platônica.
Desejamos a todos os participantes umas Boas Jornadas!
Indícios, sintomas e etologia. A reconstituição da verdade nas Historiae de Tucídides
António de Castro Caeiro (FCSH/Univ. Nova Lisboa, Portugal)
O que passamos a pôr sob foco de evidência são os passos relevantes para a compreensão do sentido de palavras como prova indirecta (tekmêrion), prova directa ou sintoma (sêmeion), testemunho (autós parên, o próprio a assistir ao decurso do presente), rigor (akribeia) e apuramento da verdade (alêtheia) em Tucídides. A história dos conceitos consagrados em termini technici por Platão e Aristóteles radica num tempo em que a vida era tratada como uma acontecimento maciço. Um tempo que entroncava a lírica arcaica, os escritos hipocráticos e os dos comediógrafos, tragediógrafos e historiógrafos. A relação entre Píndaro e Tucídides foi bem estudada. Sob o plano de fundo do de Prisca Medicina, vemos Tucídides operar com palavras que diagnosticam a irrupção de um conflito civil do mesmo modo que descreve a febre tifoide. É assim também que se debruça sobre o modo como enfoca a realidade a partir do ponto de vista de escritor: historiógrafo: o da autopsia. Assim, as considerações metódicas, o diagnóstico da guerra civil em Corcireia e a descrição da Peste, poderão dar-nos pistas da lógica da descoberta da verdade, do carácter exaustivo da análise de Tucídides. A autopsia leva a um redução à causa ou às causas que principialmente podem explicar o horizonte de sentido em que ocorrem. As três frentes de análise exploram o horizonte do humano, a anthrôpeia physis. Elas partem do meio em que nos encontramos inseridos. Põem-no a claro nos seus contornos. É no campo da essência humana que os sintomas se manifestam. A sua análise é uma etologia que visa a remoção dos obstáculos da doença e procuram obviar a potência destruidora da guerra.
É no horizonte de sentido do humano que o próprio quadro de sentido se perde, se esvazia, se deturpa, mas assim também procura recuperar palavras como a honra e a glória e destruir os efeitos nocivos do que nos constitui a nós como humanos: a luxúria do poder (archê), a ganância (pleonexia) e a ambição (philotimia). A vida é susceptível de uma epidemia pandémica.
Mas é no interior dessa pandemia que procuramos viver. A identificação da causa das coisas é uma peculiar forma de projectar em antecipação essa possibilidade.
(As primeiras notas encontram-se no livro 1, capítulos 20-22. A Peste em 2, cap.: 48-54 e A stasis de Córcira, em e livro 3, 81-83).
El vocabulario médico y sus implicancias en la novela latina: el caso de Petronio
Marcos Carmignani (Universidad Nacional de Cordoba, Argentina)
En el mundo latino, la estrecha conexión entre el saber científico y la cultura griega influyó decisivamente para el desarrollo de la medicina, que se dio con la expansión del helenismo, es decir, a partir del siglo III a.C. Este desarrollo puede verse no sólo enlas obras especializadas, sino también en la literatura en general, sobre todo en función metafórica – como era habitual en los filósofos, quienes asimilaban los males del alma a los males del cuerpo. La novela latina más antigua conservada, el Satyricon de Petronio, no es la excepción. En esta comunicación, intentaremos demostrar de qué manera el vocabulario médico es una herramienta muy sutil utilizada por Petronio como un medio de ridiculización de los personajes más incultos, sobre todo, los libertos de la Cena Trimalchionis, donde el narrador intenta diferenciarse mediante un uso más prudente de esta terminología.
A Oculta Scientia Sexualis na antiguidade ou a pseudo-castração do desejo.
Paulo Alexandre e Castro (universidade do Minho - Portugal)
A vivência do sexo sempre foi uma marca distintiva da natureza humana. As suas diferentes manifestações, quer sejam sustentadas pela mitologia ou pela busca incessante da saciação do desejo do corpo, constitui per se, uma ciência sexual. No entanto, dizer isto não significa afirmar a sua existência.
Se é verdade que a sexologia se constitui a partir do século XIX, ao colocar o sexo como elemento constituinte da psique humana - sobretudo com os trabalhos de Josef Breuer e de Sigmund Freud -, não é menos verdade que há toda uma cultura sexual enraizada desde o antigo Egípto e que culminará nos bordéis de Paris ou Viena que marcariam a vida boémia do Século XIX. Esta obervação cultural e social é visível não só nas representações mais ou menos explícitas, de pinturas e esculturas, mas igualmente na 'publicidade': um falo numa pedra de calçada ou um fresco em pompeia em nada difere das placas ostensivas e apelativas ou dos cartazes litográficos dos bordéis que Toulouse-Lautrec criara.
Restringindo-se este ensaio contudo ao estudo da antiguidade grega, é nossa intenção procedermos à analise da sexualidade grega como uma prática inegável e sustentável do modus vivendis dessa civilização. No entanto, a filosofia apresentou-nos o amor e o desejo como paradigmas de discussão filosófica para a análise da alma e do corpo, e portanto e também, para a discussão em torno das virtudes e da ideia de bem e belo. Contudo, a realidade grega ditava outras regras - e o próprio Foucault parece ter-se limitado a um conjunto de constatações -, e a suposta 'castração' do desejo (entenda-se sexual), vinculada pela ascese virtuosa não passa de uma retórica mais coincidente com uma ars eroticae do que com uma scientia sexualis, que pode nunca ter acontecido teoricamente.
A linguagem médico-psicológica no Cármides de Platão
Luciano Coutinho (Universidade de Coimbra, Portugal)
O Cármides, de Platão, tem sido apontado como um diálogo que gira em torno da noção de temperança. Sem dúvida essa é uma vertente fundamental e essencial no texto, mas há uma outra problemática que, em mesmo peso, é levantada pelo filósofo: o processo de cura de uma enfermidade psíquica e/ou somática. Este trabalho, todavia, não tratará nem da temperança nem do processo de cura propriamente, mas do jogo de palavras que Platão faz para fundamentar sua teoria acerca desse processo de “cura”. Para tanto, expressões como “mal-estar” (βαρύνεσθαί) e “enfermidade” (ἀσθενείας); “médico” (ἰατρός) e “medicina” (ἰατρική); “pscyhé” (ψυχὴν); “fármaco” (φάρμακον);“tratar/cuidar terapeuticamente” (θεραπεύειν); “saudável” (ὑγιᾶ); “curar” (ἰᾶσθαι); “encantamento” (ἐπῳδὴ); e “belos argumentos” (τοὺς λόγους τοὺς καλούς) constituem um cenário propícia para que Platão passeie entre a atmosfera médica e psíquica desde pontos de partida míticos e filosóficos.
O problema mente-cérebro era desconhecido na Filosofia Antiga?
Reflexão sobre a tese de Erik Ostenfeld
Manuel Curado (Universidade do Minho - Portugal)
A presente comunicação procura reflectir sobre a existência ou não do problema mente-cérebro na Filosofia Antiga. Tomando como referência a análise proposta pelo professor dinamarquês Erik Nils Ostenfeld, no livro Ancient Greek Psychology and the Modern Mind-Body Debate, de 1986, mostra-se que há uma continuidade na reflexão filosófica sobre a mente humana. Esta continuidade não impossibilitou diferenças assinaláveis entre posições filosóficas antigas e modernas, tanto mais que, no mundo do pensamento antigo, a psicologia filosófica platónica ou aristotélica é significativamente diferente da estóica ou da epicurista. Defende-se que o
problema mente-cérebro é apenas um elemento de uma colecção muito vasta de problemas filosóficos sobre a existência da mente humana na ordem da natureza.
Além disso, defende-se também a sua existência no mundo antigo, por exemplo, no seio do pensamento médico-filosófico. Salvaguarda-se o carácter distinto de uma abordagem moderna do problema, ao modo da reflexão sobre a incomensurabilidade entre mente e cérebro de um Thomas Reid. A comunicação termina com uma proposta de linhas de investigação sobre a psicologia filosófica antiga.
Medida e cura no corpus hipocrático
Edrisi Fernandes (Universidade de Brasília, Brasil)
Nos escritos hipocráticos, a condição natural do corpo, para a qual ela tende a retornar quando escapa às doenças, é aquela da simetria e do equilíbrio. Conforme Werner Jaeger, “o médico é chamado a restaurar a medida oculta, quando a doença vem alterá-la. Em estado de saúde, a própria natureza se encarrega de implantá-la (cf. Da Med. Ant., cap. 5, final; Do Regime, III. 69), ou antes, é ela própria a justa medida”. O autor do tratado Da Medicina Antiga diz (9. 589): “Deve-se ter em vista uma certa medida (métron). [Ora,] de medida, número ou peso, por referência à qual conhece-se a verdade, não se saberá encontrar nenhuma outra fora da sensibilidade do corpo”. O conceito de medida, identificado àquele de cura, está diretamente ligado à ideia de harmonia. A harmonização das relações do homem com o seu entorno se faz acompanhar de uma tomada de consciência sobre o que representa e define a existência humana. Conhecer a verdade tendo-se em vista certa medida conforme a“sensibilidade do corpo” implica numa valorização os sentidos como sendo capazes de dar conta da relação do homem com a natureza - em sua harmonia e seus ritmos -, extrapolando a esfera individual. Em virtude se ser o homem “uma cópia do Todo” (Do Regime, I.10), a natureza pode ser o médico autoinstruído e eficaz do corpo, a “justa medida” da saúde, cabendo ao terapeuta ser aquele que ajuda a natureza humana a reencontrar sua harmonia. Nossa investigação trata especialmente da função da água como elemento fundamental da saúde do corpo e de uma análise dos conceitos de mesotêse metriótês (“meio; média; mediania” e “moderação”) no tratado Dos Ares, Águas e Lugares.
Cosmic Healing
António de Freitas (Universidade do Minho, Portugal)
The Hittite text CTH 324, known as the Telepinu’s Myth, tells the story of the disappeared god Telepinu. This myth is related to the myths of katabasis describing the visit of a god to the netherworld, like the Sumerian visit of Innana to the netherworld. The difference is that in the Telepinu case, the god himself hides in a swamp that can be part of the netherworld. The purpose of Telepinu’s action is not clear, but there are many cosmic consequences to his action. The nature has no way to procreate, the mothers reject their baby-child, and the cosmos seems to be mal-functioning. We know that Telepinu was anger when decided to hide. The assembly of the gods needs to find Telepinu in order to re-establish the order. A final resource used by the assembly of the gods to solve this almost eschatological phenomenon is to summon the primeval deity Hanna-hanna. After her intervention Telepinu is found and the cosmos heals. I argue that in the Hittite culture, the illness of a god implies the illness of the cosmos and his healing shows up as normal cosmic order.
A Psicologia mítica de Platão
Rodolfo Lopes (Universidade de Coimbra, Portugal)
Nesta breve apresentação procurarei recuperar os elementos de um possível contributo platónico para aquela dimensão do saber que cabe no conceito de ‘psicologia’.
Depois de acautelados os vários anacronismos passíveis de germinar neste tipo de análise retrospectiva, começarei por explicitar em que termos e com base em que pressupostos este diálogo seja admissível. No âmbito da concepção mais lata de psicologia enquanto estudo do comportamento e das ‘funções mentais’ neste implicadas, tentarei reconstituir, nos seus traços essenciais, a versão que Platão apresenta de um ‘logos sobre a psychê’. Na impossibilidade de dar conta desta questão em toda a sua abrangência, focarei um aspecto que me parece tão nuclear quanto profícuo para um diálogo com a psicologia moderna: o reconhecimento e utilização da narrativa mítica como forma de codificação psicológica.
Representações da doença na Antiguidade: A cura pela incubatio no Asclepiadeu de Epidauro
Virgínia Soares Pereira (Universidade do Minho, Portugal)
Na antiga Grécia a doença ou a cura eram frequentemente atribuídas a intervenção divina, mais do que a causas naturais. Ao santuário de Asclépio, na cidade de Epidauro, afluíam, em grande quantidade, doentes que, depois de uma noite passada no interior do templo, regressavam a casa curados. As curas aconteciam durante o sono e os pacientes, ao acordar, relatavam o modo como tinham sido curados. A comunicação incidirá sobre doenças e formas de terapia nos templos consagrados a Asclépio, ao deus curador.
La locura del personaje trágico y sus efectos más allá del individuo. La relación locura-pólis en la tragedia de Esquilo y sus relaciones con De Morbo Sacro de Hipócrates
Guillermo De Santis (Universidad Nacional de Córdoba, Argentina-Conicet)
La relación entre el individuo y la comunidad (pólis) en la tragedia ática del siglo V aC. ha sido largamente estudiada en términos históricos, antropológicos y filosóficos. Por su parte, y desde hace varias décadas, la relación entre la tragedia y los tratados hipocráticos ha dado lugar a un número creciente de trabajos que ponen su acento en dos cuestiones: la primera es la relación léxico-técnica en ambos tipos de textos y, la segunda, es el mayor o menor tecnicismo en la descripción de las patologías que sufren los personajes trágicos. La locura como acción trágica y como patología médica es uno de los temas que permiten una mejor comprensión de la importancia de la “salud” en la tragedia griega y sus relaciones con los tratados hipocráticos. Particularmente nos interesa el caso de Esquilo por ser el poeta trágico menos técnico en el uso del lenguaje y que podría considerarse aún “pre-científico” en el tratamiento de las enfermedades. Nos centraremos en el caso de Io en Prometeo Encadenado versos 561-886 cuya terminología descriptiva de la locura denota el intento del poeta por dar un formato lingüístico trágico a un fenómeno “popular”. A partir de aquí, ciertas metáforas, como el “errar sin sentido”, adquieren valor denotativo de “locura” y se instalan en el lenguaje no-técnico de la patología. Este texto será contrastado con el texto hipocrático De Morbo Sacro para proponer que en el texto trágico interesa menos el realismo de los síntomas cuanto las consecuencias externas a Io que su locura genera y las expectativas amplias (cósmicas en algún sentido) que genera su posible cura, mientras que en el texto racional de tratadista médico la descripción de la enfermedad y sus manifestaciones están en el centro de atención. El segundo texto analizado será el llamado “Himno de encadenamiento de las Erinias” en Euménides 321-396 en el que las Erinias despliegan en acto la gestación de la locura en Orestes.
Este texto es esencial, a nuestro entender, para desplazar el foco de análisis desde la psicología interna del personaje trágico hacia los factores externos que generan la locura y, en cosecuencia analizar el impacto de la locura individual en la pólis, aspecto menos precisado en el Corpus Hipocrático. La intención última del trabajo es proponer una cierta tensión entre nociones de salud que importa solo al individuo afectado por una patología y otra que atiende las consecuencias que un enfermo genera en la comunidad.
O Templo Interior: Representações do Corpo e da mente no Egipto Greco-Romano.
Rogério Sousa (Universidade do Porto - Portugal)
Caracterizar a mente e a identidade e potenciar o seu desenvolvimento constituem problemas centrais da Psicologia contemporânea, mas há muito que as tradições religiosas que emergiram com a chamada «Era Axial» colocaram estas questões no centro do desenvolvimento espiritual. Esta apresentação identifica as origens deste movimento em meados do II milénio a.C. no contexto do Egipto faraónico e acompanha o seu desenvolvimento até à Época Greco-Romana, onde uma confluência multicultural predominantemente grega e
egípcia deu origem a novas e singulares formulações sobre a consciência, a identidade e a transformação de si mesmo.
A medicina do útil à luz do homo-mensura de Protágoras
Dennys Garcia Xavier (Universidade de Uberdândia, Brasil)
Do ponto de vista das experiências comuns, os homens têm e sabem que têm opiniões verdadeiras e opiniões falsas, diz Platão. Essa consciência conduz necessariamente a uma dinâmica meritocrática segundo a qual um determinado saber numa dada situação se impõe a outros – que em relação a esse são, por consequência, como “não-saberes”. Este quadro geral está em nítido contraste com a teoria do homo-mensura de Protágoras, que exclui a possibilidade de um juízo universal positivo sobre qualquer opinião expressa pelo homem, consequência primária da tese segundo a qual ele, o homem, é medida de todas as coisas. Mas o mesmo acontece no terreno da percepção, como no caso das coisas úteis ou nocivas para a saúde do corpo?
De fato, o médico parece possuir um saber que de certa forma faz com que aquilo que ele considera ser “melhor” para a saúde de um dado indivíduo, também o “seja” para ele. O recurso ao útil parece ser vantajoso para a posição de Protágoras. Com efeito, enquanto a asserção de uma “verdade” parece ter um valor obrigatório para todas as situações, a afirmação do útil apresenta-se logo relativa. Aqui, exploraremos alguns do efeitos epistemológicos da doutrina de Protágoras e o modo como ela repercute no interior da filosofia platônica.
Desejamos a todos os participantes umas Boas Jornadas!